quarta-feira, 9 de abril de 2008

2. INSUFICIÊNCIAS DO PARLAMENTARISMO

A primeira crítica que se poderá fazer ao sistema de Democracia Parlamentar é a de que conduz à quebra da unidade nacional.
Uma das bases da democracia, como se sabe, é a escolha dos altos dirigentes políticos através de eleições. Mas a eleição conduz inevitavelmente à formação de partidos políticos. E havendo partidos políticos a nação fica irremediavelmente dividida em facções que se guerreiam mutuamente tornando muito difícil uma congregação de esforços para a realização do bem comum.
Para tentar resolver tal problema as monarquias constitucionais conservaram o Rei, como um órgão de poder moderador independente dos partidos políticos, símbolo e pólo de atracção da unidade nacional, e conservaram a figura do Primeiro-Ministro eleito pelo Povo como chefe do poder executivo.
Alguns regimes republicanos, entre os quais o nosso, adoptaram a figura do Presidente da República com funções semelhantes às do antigo Rei, solução obviamente insuficiente para resolver o problema da unidade nacional já que, sendo o Presidente da República escolhido por meio de eleição não pode ser, por muito boa vontade que tenha, o símbolo e o pólo de atracção da desejada unidade nacional. Sendo assim, não tem sentido a existência simultânea de Presidente e de Primeiro-Ministro. Numa república o chefe do poder executivo deverá, logicamente, ser o Presidente da República.
Num regime republicano o pólo de atracção da unidade nacional só poderá ser a Constituição, desde que seja convictamente aceite pela grande maioria dos cidadãos e dos partidos políticos. Para isso é indispensável que a dita constituição seja do tipo «simples» e não «doutrinário», isto é , que se limite a estabelecer nas suas linhas gerais os direitos e deveres dos cidadãos e a organização do Estado abstendo-se de impor qualquer doutrina de carácter económico ou social.

Outra crítica que se poderá fazer ao sistema de Democracia Parlamentar é a de que conduz à instabilidade política.
Uma das bases sagradas da Democracia Parlamentar é a de que o poder legislativo, o poder executivo e o poder judicial (que no seu conjunto formam o poder político) devem ser independentes uns dos outros.
Em teoria, o chefe do poder executivo (Presidente ou Primeiro-ministro) é uma individualidade eleita pelo Povo e o Parlamento uma entidade colectiva independente daquele constituída por representantes do Povo. Em teoria cabe aos representantes do Povo elaborar e promulgar as leis e ao chefe do poder executivo dar-lhes execução, ou seja, governar o País de acordo com elas.
Na prática o que acontece é que o Parlamento não dispõe de meios técnicos que lhe permitam elaborar as leis limitando-se, por isso, salvas raras excepções, a discutir e aprovar as leis propostas pelo Governo. Por outro lado, o Parlamento não é de facto constituído por representantes do Povo mas sim por representantes dos partidos políticos. Mas, para poder governar, o chefe do poder executivo tem de ter o apoio da maioria do Parlamento. Se acontece que um dos partidos tem maioria absoluta no Parlamento temos um Governo estável. Se isso não acontece os partidos têm de fazer coligações, à custa de cedências mútuas, a fim de se conseguir uma maioria parlamentar sem a qual o Governo ficaria manietado.
Em princípio tal solução seria vantajosa porque obrigaria a procurar consensos. Na prática o que se verifica é que as coligações partidárias se desfazem com facilidade levando à «queda» do Governo. Nos países em que há mais de dois partidos importantes, como é, por exemplo, o caso da Itália, os governos têm vida curta.
Para evitar este grave inconveniente muitos países adoptam o sistema bipartidário, o que garante a estabilidade governativa mas tem o inconveniente não menos grave de eliminar os pequenos partidos que são precisamente aqueles de onde geralmente partem as propostas de medidas inovadoras sem as quais as sociedades correm o risco de estagnar.
Acontece também que o facto de o Governo só poder governar quando tem assegurada uma maioria parlamentar acaba por misturar o poder legislativo com o poder executivo transformando ao fim e ao cabo o parlamentarismo numa sucessão de ditaduras temporárias embora sujeitas aos ataques constantes da «oposição» e dos meios de comunicação social.
Quanto a nós, a solução para a instabilidade política inerente ao parlamentarismo passaria pela substituição do Parlamento por uma assembleia constituída por uma amostra representativa da totalidade dos cidadãos eleitores, unicamente com poderes para aprovar ou rejeitar as propostas de lei do Governo sem que a reprovação de qualquer delas implicasse a sua «queda».
É certo que a maioria dos cidadãos não têm competência para se pronunciar sobre os problemas da governação mas para isso é que existem os partidos políticos que a cada momento os poderiam aconselhar a votar «sim» ou «não» em relação a cada proposta do Governo e lhes poderiam explicar minuciosamente as razões porque o deveriam fazer. Os cidadãos só teriam de seguir a opinião do partido que para cada caso lhes merecesse maior confiança.

Outra crítica que se poderá fazer ao parlamentarismo é a de que conduz à degradação dos partidos políticos e ao descrédito dos políticos.
Em princípio, os partidos políticos deveriam ser associações de intelectuais empenhadas em encontrar soluções para os problemas nacionais e em preparar dirigentes políticos capazes de as pôr em prática. Mas não é isso que acontece.
Conforme vimos atrás, o parlamentarismo implica a necessidade de o Governo, para poder governar, ter o apoio de uma maioria parlamentar. Obtida esta, as possibilidades de intervenção construtiva dos partidos da «oposição» na vida política são praticamente nulas. Por mais brilhantes que sejam os argumentos que os seus representantes no Parlamento possam aduzir para demonstrar que uma lei proposta pelo Governo é má já sabem de antemão que ela será aprovada, o que não pode deixar de ser frustrante. Os debates parlamentares têm tão pouco interesse como teria um jogo de futebol a contar para o campeonato em que de antemão já se soubesse o resultado!
Só resta então aos partidos políticos da «oposição», para afirmar a sua existência, tentar por todas as formas desacreditar o Governo perante a opinião pública e demonstrar que tudo quanto faz é mal feito, a fim de o fazer «cair» o mais depressa possível e obrigar a eleições antecipadas.
E assim se transformam os partidos em meras máquinas eleitorais durante os períodos das eleições e em máquinas de obstrução ao Governo nos intervalos destas. Com isso desacreditam o parlamentarismo e desacreditam-se a si próprios.
Cremos que para obviar a este inconveniente seria vantajoso criar junto de cada ministério, com carácter permanente, conselhos consultivos incluindo represen-tantes dos principais partidos políticos, que assim poderiam em devido tempo contribuir com as suas críticas para a feitura das leis, e criar em vez do Parlamento uma assembleia constituída por uma amostra representativa dos cidadãos eleitores. Passariam então os políticos a ter de defender ou atacar objectivamente as propostas de lei apresentadas pelo Governo na certeza de que o seu partido perderia credibilidade se a votação da assembleia lhe fosse desfavorável e ganharia no caso contrário. Obrigados a intervir na vida política de uma forma mais responsável os partidos passariam a desfrutar do respeito e da confiança da opinião pública, a atrair mais e melhores militantes e a tornarem-se elementos mais úteis na prossecução do bem comum.

Mais outra crítica que se poderá fazer ao parlamentarismo é a de que conduz à fragilização das leis.
Dispondo de maioria parlamentar, condição necessária e suficiente para poder governar, o Governo tem a certeza de que qualquer proposta de lei que apresente ao Parlamento será aprovada. Neste caso, se a afirmação de que «os deputados são os representantes do Povo» corresponde à verdade, dever-se-ia concluir que a lei foi aprovada pela maioria do Povo e que, portanto, deverá ser tida e respeitada como tal. Mas, como toda a gente sabe que o Parlamento é constituído por representantes dos partidos políticos e não do Povo, a lei é muito simplesmente considerada como uma imposição do Governo.
Regra geral, uma nova lei vai sempre ferir os hábitos ou os interesses estabelecidos de alguém. Esse alguém protesta. Os que ficaram a lucrar com a lei conservam-se calados. Tal facto é de imediato aproveitado pela «oposição» e pelos meios de comunicação social para denegrir a dita lei e apontar todos os seus malefícios. No subconsciente do cidadão instala-se inevitavelmente a dúvida sobre a qualidade e a legitimidade das leis.
Se as propostas de lei do Governo fossem submetidas a uma assembleia de representantes directos do Povo, é natural que o Governo fosse mais cuidadoso na sua elaboração, uma vez que não podia ter a certeza de que seriam aprovadas e, por outro lado, a sua legitimidade não poderia ser posta em causa nem pelos partidos nem pelo cidadão comum. O prestígio da Lei, elemento bási-co de uma sociedade verdadeiramente democrática, não poderia deixar de aumentar

Mais outra crítica que se poderá fazer ao parlamentarismo é a de que conduz a uma indesejável estrutura social.
Nos regimes parlamentares o poder político, dilacerado por uma permanente guerrilha partidária e constantemente atacado pelos meios de comunicação social e pelos sindicatos, fica muito enfraquecido. Por outro lado, a necessidade de contentar os eleitores a curto prazo torna os Governos particularmente dependentes do poder económico. Deste conjunto de circunstâncias resulta que o parlamentarismo se transforma naturalmente num regime político mais favorável aos mais ricos e socialmente mais fortes e mais desfavorável para os mais pobres e socialmente mais fracos.

Por último poder-se-á acusar o parlamentarismo de não ser capaz de resolver nenhum dos grandes problemas do nosso Tempo e de, antes pelo contrário, agravá-los.
Os países mais ricos, com populações mais instruídas e onde o parlamentarismo tem raízes mais fundas são precisamente aqueles que mais contribuem para o aumento da poluição a nível global e onde o fosso que separa os ricos dos pobres é mais largo. São ainda esses países os que nada fazem para ajudar os países pobres a conter a explosão demográfica, limitando-se a aproveitar-se da exploração dos seus recursos naturais e da mão de obra barata fornecida pelos seus emigrantes.
A verdade é que o parlamentarismo favorece as políticas de curto prazo que são obviamente as que mais interessam para ganhar as próximas eleições hipotecando inevitavelmente o bem-estar das gerações futuras.

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