quarta-feira, 9 de abril de 2008

3. INSUFICIÊNCIAS DA NOSSA CONSTITUIÇÃO

· Conforme referimos atrás, há dois tipos de constituições: as constituições «simples» e as constituições «doutrinárias». As primeiras limitam-se a consignar os direitos e deveres dos cidadãos e a definir a organização do Estado. As segundas, além disso, impõem a adopção de um dado modelo económico e social. As constituições «simples» são as constituições próprias dos regimes democráticos, as constituições doutrinárias são as constituições próprias dos regimes ditatoriais.
Paradoxalmente a actual constituição portuguesa é uma constituição «doutrinária», apesar de Portugal se afirmar e ser por todos reconhecido como uma democracia. Na realidade a nossa actual Constituição impõe um conjunto de normas de carácter político, económico e social claramente inclinadas para a «esquerda» o que obriga a classificá-la como «doutrinária».
A razão disso é facilmente compreensível se atendermos ao clima pós revolucionário em que foi concebida. Mais do que uma constituição, o documento então produzido como tal foi uma amálgama, obtida à custa de concessões mútuas, dos «programas» dos partidos então dominantes.
Mesmo assim teremos de estar muito gratos aos políticos de todos os quadrantes que a elaboraram e aprovaram, criando as condições que permitiram ao País ultrapassar rapidamente um período de perigosa instabilidade. Não obstante, passadas que são várias décadas, haverá que não ter pejo em reconhecer as deficiências da actual constituição, apesar de já melhorada através de sucessivas revisões pontuais.

A primeira medida que nos parece indispensável para corrigir a actual Constituição é retirar dela e passar para as leis ordinárias todas as referências pormenorizadas a medidas de carácter económico e social que encerra de modo a transformá-la inequivocamente numa constituição «simples» própria de um regime democrático.

A Constituição deve ser um documento curto e claro. Curto para que, na sua essência, possa ser bem conhecido pela generalidade dos cidadãos; claro para que possa ser por eles facilmente entendido e respeitado.
A nossa actual constituição é demasiadamente volumosa mais parecendo um código destinado a ser utilizado por juristas do que um documento destinado a ser ensinado às crianças nas escolas ou a ser lido calmamente ao serão por qualquer cidadão, ainda que de poucas letras.
A actual constituição traduz uma preocupação excessiva em garantir os direitos dos trabalhadores como se o simples facto de nela estarem consignados fosse bastante para os concretizar. Não seria suficiente limitar-se a dizer que os direitos de todos os cidadãos portugueses são os que constam da Declaração Universal dos Direitos do Homem? Assim se poupariam numerosas páginas que em termos práticos nada adiantam e que, pelo seu elevado número, tornam mais difícil o seu entendimento e afastam o cidadão da sua leitura.

A actual Constituição conserva a herança da Monarquia na figura de um Presidente da República a que falta o prestígio do Rei e que para pouco mais serve do que para fragilizar a acção do Primeiro-Ministro.
O poder executivo deve ter uma só cabeça. Para o cidadão comum, o Presidente da República, na qualidade de chefe do Estado e de comandante supremo das Forças Armadas é quem «manda mais». Será por isso de, através da Constituição, dar ao Presidente o estatuto e as responsabilidades que o Povo no seu subconsciente lhe atribui.
Pensamos que a solução, ao mesmo tempo mais elegante e mais funcional, seria colocar dois «primeiros-ministros», com a designação de «Ministros de Estado» na dependência directa do Presidente, um encarregado da área económica e outro da área social, e deixar na dependência directa daquele os ministérios tradicionais da Defesa (antiga Guerra), Negócios Estrangeiros, Finanças (antiga Fazenda) e Administração Interna (antigo Reino e depois Interior). Esta solução teria a vantagem adicional de descentralizar a administração pública de acordo com as regras mais elementares da Organização.

A actual Constituição baseia-se no sofisma de que a Assembleia da República é constituída por representantes do Povo quando na realidade é constituída por representantes dos partidos políticos, sujeitos à disciplina partidária. Assim sendo é óbvio que, para desempenhar as suas funções, bastaria que fosse constituída por um único deputado de cada um dos partidos que nela têm assento levando cada um deles «no bolso» a totalidade dos votos do partido.
O argumento de que a Assembleia da República não serve apenas para aprovar leis mas também para fiscalizar o Governo não colhe, uma vez que o Governo é mais do que fiscalizado, dissecado e chamado constantemente à ordem pelos meios de comunicação social e pelos partidos políticos. Não é por falta de fiscalização que o Governo poderá funcionar mal.
Uma vez que na actualidade toda a gente tem televisão e, consequentemente, está em contacto permanente e directo com o debate político, não seria de entregar o poder legislativo, ou seja, a autoridade para aprovar as propostas de lei do Governo, a uma assembleia constituída por uma amostra representativa de cidadãos eleitores? A proposta poderá parecer demasiadamente ousada mas não se deverá esquecer que a actual constituição segue um modelo que foi criado no século XIX quando os meios de comunicação social eram muito diferentes dos de hoje.

A actual Constituição não fixa a organização dos órgãos do Governo deixando assim de cumprir uma das suas principais funções.
Em resultado disso fica o Governo com mãos livres para criar à vontade o número que entender de ministérios, secretarias de estado, institutos, comissões permanentes, comissões eventuais, altas autoridades e um sem número de órgãos que custam muito dinheiro e que se destinam a fazer aquilo que devia ser feito pelos órgãos já existentes da administração pública que assim são pura e simplesmente postos de lado mas nunca extintos, criando-se um emaranhado de competências que se anulam umas às outras e paralisam o funcionamento do Estado. Mas, como já foi dito, os Portugueses são avessos à Organização e não se pode estranhar que a constituição não fuja à regra.
Pensamos que seria indispensável tentar inverter esta tendência que é a causa principal do nosso atraso em relação às nações mais evoluídas. Para tal seria muito importante que a Constituição estabelecesse com clareza a organização do Estado e dos seus órgãos de nível mais elevado. É o único caso em que, a nosso ver, deveria descer ao pormenor.

Há um ditado chinês que diz que um pequeno desenho traduz melhor uma ideia do que um longo discurso. Para apresentar com clareza uma estrutura orgânica a melhor maneira de o fazer é utilizando um organograma. Infelizmente em Portugal tal palavra provoca de imediato uma repulsa instintiva. Para o português o organograma é pura e simplesmente uma manifestação de autoritarismo, um atentado à sua liberdade individual que o tenta encerrar dentro de um pequeno rectângulo, impedindo-o de fazer aquilo que lhe parece melhor e de interferir no trabalho dos outros.
Também neste ponto nos parece que a Constituição deveria assumir uma posição de liderança nacional não se acanhando de utilizar os organogramas necessários para dar a conhecer ao Povo com toda a clareza e sem ambiguidades a forma como estão articulados entre si os órgãos principais do Estado e a forma como estão distribuídas as suas responsabilidades.

Atrevemo-nos ainda a sugerir que a numeração dos artigos da Constituição seja feita em numeração decimal e não em numeração seguida o que a tornaria mais fácil de consultar e entender e permitiria, em caso de revisão, alterar apenas a numeração dos artigos de um dado capítulo sem ter de alterar a numeração de todos os que se lhe seguem.

Mas a maior crítica que, quanto a nós, se poderá fazer à presente Constituição é a de não ter em conta as profundas alterações que a Televisão (a caixinha que mudou o mundo!) introduziu na vida social.
Nos dias de hoje a política é feita na Televisão e não no Parlamento. Uma Constituição que não tenha em conta esta realidade está irremediavelmente condenada a ser pura e simplesmente ignorada pelo cidadão comum de quem deveria ser guia e motivo de orgulho.
É nossa convicção que, mais ano menos ano, em algum País se chegará à conclusão óbvia de que, actualmente, a Política, é feita com base na Televisão e nas sondagens e que a sua Constituição seja alterada adoptando nas suas linhas gerais o modelo que a título de exemplo apresentamos a seguir. Se isso vier a acontecer e nos virmos obrigados a importar a ideia é natural que fiquemos todos muito pesarosos por não ter aproveitado a oportunidade para ser pioneiros nessa matéria.

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